"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 11 de junho de 2017

UM ESPETÁCULO JURÍDICO-POLÍTICO DEPRIMENTE

Acompanhei praticamente todo o julgamento realizado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em relação à chapa Dilma-Temer (e suas peripécias nas eleições presidenciais de 2014). Aspectos jurídicos e políticos atraíram a minha atenção para o importante julgamento.

Na ressaca do deprimente espetáculo produzido pela Corte eleitoral não tive como evitar a releitura dos seguintes dispositivos da Constituição (parágrafos do artigo 14):

“Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994).

“O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”.

O Texto Maior afirma o óbvio para um Estado Democrático de Direito fundado na soberania popular. Os pleitos eleitorais não podem ser deturpados pela influência indevida do poder econômico, pela corrupção ou pela fraude.

Evidentemente, é preciso um extremo cuidado para não afastar o resultado emergente das urnas (manifestação específica da soberania popular) em razão de problemas ou vícios menores. Também não parece admissível desfazer o resultado de um certame eleitoral sem demonstração clara e suficiente de um comprometimento sério e grave de sua normalidade e legitimidade.

No caso particular do julgamento da regularidade da campanha realizada pela chapa Dilma-Temer, sem prejuízo de análise e conclusão semelhante para outras chapas do pleito presidencial de 2014, restou amplamente demonstrado um festival inacreditável de influência ilícita do poder econômico, de corrupção e de fraude. Em cerca de 14 horas, o Ministro Herman Benjamin, relator, apresentou, para espanto e náuseas da Nação, com riqueza de detalhes e variedade de elementos (testemunhos, perícias, documentos, etc), um sofisticado e milionário esquema ilegal e inconstitucional voltado para obtenção da vitória eleitoral. Aliás, a atuação do Ministro Benjamin merece um registro elogioso em função do conhecimento jurídico, da inteligência argumentativa e da coragem cívica.

Tomando o caso Dilma-Temer como parâmetro, uma instigante pergunta pode ser posta. 

Qual esquema de malversação da normalidade e legitimidade dos pleitos eleitorais seria mais evidente e mais significativo? Afinal, centenas de milhões de reais, oriundos dos cofres públicos, foram utilizados, via caixas 1, 2 e 3, nas mais diversas ações lícitas e ilícitas relacionadas com o certame, inclusive compra de apoios partidários e pagamentos dos mais diversos bens e serviços.

Entre as muitas conclusões extraídas desse triste episódio da vida nacional (o malsinado julgamento “absolutório”) destaco estas três:

a) temos indivíduos, em vistosos postos na estrutura do Estado, dispostos a chafurdar, até os cabelos, na indignidade e na imoralidade, indiferentes ao julgamento público e da história, que se mostram completamente insensíveis ao desafio de refundar a sociedade brasileira em bases completamente distintas das vivenciadas atualmente;

b) o tamanho do buraco ético e institucional em que estamos metidos é enorme (e só aumenta, para espanto geral). A afirmação de uma sociedade livre, justa e solidária, onde os interesses populares e democráticos da imensa maioria sejam preponderantes é algo ainda muito distante;

c) o direito não é uma técnica neutra que segue métodos e caminhos claramente definidos para chegar a um resultado correto para toda e qualquer controvérsia. Pelo contrário, a amplitude de instrumentos e elementos na seara jurídica fornece as ferramentas necessárias para chancelar praticamente todos os interesses em disputa numa sociedade plural e complexa como a brasileira.

Aguardemos os próximos capítulos da novela Brasil…


11 de junho de 2017
Aldemario Araujo Castro é advogado, procuradr da Fazenda Nacional, mestre em Direito e professor da Universidade Católica de Brasília.

Nenhum comentário:

Postar um comentário